Blog do Jornal Laboratório FACHA

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Breve em novo endereço e novo visual

Uma publicação dos alunos do Curso de Comunicação Social da
Facha - Faculdades Integradas Hélio Alonso
Unidade Botafogo.

jornallaboratoriofacha@gmail.com


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03/11/2008

O amor, a morte (réquiem)

Conto de Derek Corrêa, aluno do 5º período de jornalismo da FACHA.

Ele, sentado no quarto, desejando algo acontecer, tentando ver o dia amanhecer sem ao menos perceber que, estava só. Pega seu carvão e começa a escrever.

Primeira nota em seu quarto: Amor, era o que escrevia na parede de seu quarto. Escrevendo aquilo ele já não se sentia sozinho. Criando um mundo imaginário, assim ele criava a atmosfera de um lugar em seu imaginário, onde só ele saberia o que era felicidade. Pensava estar escrevendo, depondo sobre a sua vida rudimentar. Fazia assim uma sinfonia em palavras batidas, repetidas, onde, saberia, estaria ligado dia-a-dia.

Uma floriculturista estava próxima, era amiga de vivência do tal garoto. Sempre que ele passava por ela a cumprimentava, mas nada de consumir. Pra quê ele iria querer uma rosa? Uma margarida? Não tinha a quem dar. Ele escrevia, e muito, lia bastante também, mas nunca havia se relacionado ou tido contato – a não ser superficial. Com pessoas do sexo oposto ou mesmo com o mundo – de que tanto falava sobre. Ele era um poeta solitário, sem família, sem estudo rígido, era ele e o mundo, só.

Nas noites mais solitárias e frias ele escrevia, sobre a vida e a morte. Mas ao menos tinha noção do que seria.

A floriculturista o cultuava; como uma pessoa séria, com todos os prazeres a serem servidos a uma donzela.

Ele sorria e vivia, ou melhor, existia, perante toda aquela situação.

Um dia ela virou para ele e lhe indagou:

- Nunca comprarás uma flor?

- Não, acho que nem para mim mesmo – ele revidou.

- Mas você acha que nunca terá, mesmo que singelo, amor para dá-la?

- Não – ele fechava o cenho e continuava a andar.

A vida não era fácil. O lagarto – último livro que lera, falava sobre o último ser vivo no planeta, ele pensava que era igual com ele. Ninguém nunca pensaria igualmente a ele e isso o fazia um dentre todos. Um último ser vivo no planeta.

As palavras já transitavam por todos os cantos de seu recinto. Dezenas de frases soltas desde o teto até o rodapé do quarto. Milhares de alucinações noturnas, centenas de filosofias das madrugadas. Ele precisava fazer algo com sua vida.

Nas últimas semanas, uma parte de sua parede se tornou especial para ele e seu pedaço de carvão, com o qual escrevia. Ficava nela por horas a esfregar o toco para cima e para baixo como um doente mental. As frases da floriculturista o perturbavam cada vez mais.

Um copo de vinho, uns livros soltos pelo chão e um cinzeiro cheio. Ele dormia no piso gélido.

Toda segunda tinha feira perto de sua casa e ele sempre encontrava aquela mulher que subjugou sua criatividade. Estava empacado em uma frase que não sabia com o que combinar.

Decidiu comprar uma rosa. Só para esfregar na cara dela. De cabeça baixa pediu por uma rosa e quando ela o reconheceu ele saiu andando.

Estava lá, no centro de seu quarto, bem cuidada dentro de uma jarra de vidro.

Cala a boca! Gritava com as paredes que pareciam lhe ouvir. Você não sabe de nada!, continuava. Se olhava no espelho e via alguém que não reconhecia.

Tocava uma música alta em seu quarto, mas não tinha ninguém para ouvi-la. Ele estava na sala olhando para o lado de fora do mundo. Com um copo de café e de meias. Acabara de acordar. Revolveu que esse dia não ficaria em casa. Não podia. Caminhando em passos largos pela orla ele encontrava um garoto chorando pelas ruas com um celular em mãos. Vai ligar para a namorada, pensou enquanto o observava de longe. Ele estava com a rosa em mãos e a largou, prensando-a no peito do garoto. Faça alguém feliz, ingênuo, o disse ao passo de continuar a andar sem ao menos lhe fitar nos olhos.

Em seu quarto, ainda vazio, tocava música clássica para ninguém, ou para um espírito que pairava por lá. Talvez o do espectro do poeta morto que ele havia deixado para trás.

O garoto ingênuo que chorava na praia dera a rosa para uma ruiva, a mesma que após três dias chorando perante a rosa – que em momento sequer saíra de sua mesa de centro. Fora jogada pela janela; com vaso e tudo.

Começava a surgir palavras embaixo do amor: vida!

Um vaso vazio refletia a figura de um poeta inquieto no centro de seu universo. A música no local já tocava tão alta que os vizinhos começavam a reclamar.

Duas semanas e uma noite foram o tempo suficiente para um garoto achar a rosa murcha perto do bueiro. No momento chovia e ele discutia, perto do mar, sua relação com a ex-namorada. Ela o ignorava e fazia gestos de querer ir embora. Lhe tascara um beijo repentino após uma conversa inusitada entre os dois.

Nessa mesma noite o garoto saiu do quarto, nessa mesma noite o garoto ingênuo voltou ao local onde havia dado sua primeira rosa. Nessa noite seis almas se encontraram.

Com um taco de carvão em uma de suas mãos ele corria na chuva, repensando sobre toda a sua vida. Corria e corria sem qualquer destino. Do outro lado da cidade dois garotos se entreolhavam, um com uma rosa nas mãos e outro andando para alguma direção. A garota, na chuva se virava e ia em direção a um taxi que parara. Um maluco entrava desvairado na portaria de uma residência na orla e ia subindo pelas escadas, com o porteiro do prédio o segurando pelas pernas. Três pessoas sorriam e choravam ao mesmo tempo nessa noite. Três almas tiveram o mesmo pensamento: “Nunca escrevi para você, só para mim, isso me torna eu.”. Choravam por que não entendiam. Um filme passou na cabeça do garoto que corria, de imediato ele largou o toco de carvão no chão.

Um homem, forte com seus amigos, assim como um animal feroz com uma presa, ria da vida. Se sentia confortável mediante sua boa companhia, parecia até mesmo feliz. O tempo passava nesse filme e o garoto ia se excluindo dos amigos, havia agora uma mulher. Ele se fechara um pouco e os outros entendiam. Estava seguindo outro rumo, mas às vezes ele não parecia tão confortável como antes e mesmo um predador até. Parecia mais que ele tinha um confinamento com aquela alma bonita que o rondava. Ele ficava velho e se apegava mais a ela. Os dois casavam, tinham filhos, ele via pouco seus amigos. Trabalhava agora, sustentava uma família. Vivia a chegar do trabalho e discutir com a mulher. No dia seguinte faziam as pazes e lhe dava algum dinheiro antes de ir para o trabalho. O filme parou nessa cena. Ele estava estático ao pensar nisso. Tentou imaginar um outro filme, agora protagonizado por uma mulher. Com várias conversas, várias mulheres, várias saídas. Ela conhecia um cara e o levava para conhecer sua família. Ele tinha que mudar todo seu comportamento para poder se adequar e ser aceito. Por vezes ele ficava por cima na cama e por outras ela quem comandava. Tinham filhos, mesmo depois de conversarem muito sobre isso. Se casavam e o desencadeamento já se sabe.

Nada muda, ele pensou consigo. Se indagando na chuva. Olhou para os lados subitamente e continuou a correr. Parecia por horas que se desfarelava na chuva torrencial que caia.

O garoto com a rosa se aproximava do táxi em que a garota ia entrar. Pare!, gritou alto para ela. Pare agora mesmo, continuava. Fique, cogitou.

- Fique mais um pouco.

O porteiro rolava escada abaixo e no décimo andar se escutava os passos do sapato do ingênuo que ia acordar uma ruiva aquela noite.

Na rua, sozinha e pegando muita chuva, a floriculturista encontrava com o garoto.

Esses momentos são transições entre o nada e o absoluto de alguma situação. Deveria parar quando começasse ou mesmo não existir.

No quarto as letras eram agora mostradas por completo, ao entrar uma luz pela janela, uma luz que teimava em acender em horas erradas. As letras não formavam nexo, mas expressavam por si emoções:

“Quem sou eu? Onde eu moro? Pra onde eu vou? Quem eu quero? Quem me quer? O quê eu desejo? Vida! Onde está a arte em amar?”

Nesse momento o garoto beijava a floriculturista.

A rosa novamente caía no chão. Choros se davam ao se abrir a porta de casa. Um tapa na cara. Dois tapas na cara. Um não e o garoto voltava para a casa.

A ruiva já tivera chorado antes de lhe baterem na porta. Recebeu de visita um tapa na cara e um xingamento ”Prostituta!”. Na chuva, uma rosa era pisada e um garoto segurava a mão no rosto. A garota ia embora para casa. O garoto ia embora para casa; os dois iam embora para casa.

Após falar não ao beijar a floriculturista ele já não agüentava mais, tinha que ter feito aquilo. Agora estava em paz. Ingenuamente o garoto pegava a rosa amassada do chão e se virava. Puxava a garota pelos braços e lhe tascava um beijo romântico, por fim lhe entregando a rosa e ficando com o cenho fechado diante dela.

No apartamento o garoto tomava, enfim, coragem para dizer a verdade para a ruiva.

- Pegue suas coisas. Vou te levar para casa – ela não pensou duas vezes. Com a mão no rosto ainda ela se adentrou pelas penumbras de seu apartamento para pegar suas coisas.

O garoto chegava em casa. Olhava para seu quarto e começava a quebrá-lo. A música não havia parado de tocar desde que saíra de casa. Batia em tudo que era móvel, chutava tudo. Com o quarto já em frangalhos ele pegou um pedaço de carvão que ainda tinha e finalizou a escrita que tanto lhe perturbara.

- A morte – falava enquanto escrevia a mesma palavra. Finalizou com uma frase: “Você precisa fazer isso com alguém”.

Você não conseguirá sozinho.

Obs: Este conto faz parte de uma série entitulada "As Sinfonias do Amor", da qual é o encerramento. Os outros dois chamam-se, respectivamente: "Rosa Murcha" e "Queen". Para quem se interessar, a trilogia completa está disponível no blog Espelho da Sociedade, onde o autor publica seus textos.

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