Blog do Jornal Laboratório FACHA

Blog do Jornal Laboratório FACHA
Breve em novo endereço e novo visual

Uma publicação dos alunos do Curso de Comunicação Social da
Facha - Faculdades Integradas Hélio Alonso
Unidade Botafogo.

jornallaboratoriofacha@gmail.com


.

25/11/2008

Fazendo Media

Matéria originalmente postada no site do informativo Fazendo Media , que conta com a colaboração de 4 alunos da FACHA.

Texto de: Eduardo Sá. Fotos: Angelo Cuissi.


No mês da consciência negra e do dia da cultura há uma dívida e necessidade histórica em reverenciarmos essas datas. Nessa reportagem, a homenagem será direcionada à Capoeira Angola, tão presente na raiz de nossa cultura.

Mestre Manoel conta toda a história e filosofia dessa arte no Brasil. Ele esclarece o porquê da maioria da população cultivar equivocadamente a capoeira hoje como um esporte ou mero lazer dando-lhe uma aparência completamente descaracterizada e comercializável. Aliás, essa versão sempre foi conveniente às elites e aos exploradores, desde a colonização, por se tratar de um movimento sistematicamente omitido e de resistência não só cultural, mas também sócio-racial.

Mercado banaliza capoeira como resistência racial
A origem da Capoeira Angola vem do outro lado do Atlântico, da África, e na época consistia na luta entre guerreiros para conquistarem suas mulheres nas tribos da nação Banto. A manifestação simbolizava um rito de passagem através dos cantos e ritmos orquestrados ao redor de uma roda; conta o mestre Manoel.

Essa essência relacionada ao sagrado, cultural e filosófica, veio junto com os escravos para o Brasil, mas devido à repressão sistemática da prepotência ocidental, que nunca foi capaz de compreender sua riqueza, o ritual foi ganhando um caráter de resistência, principalmente racial.

Aqui, a capoeira começou sendo praticada às escondidas e como método de autodefesa frente às crueldades da escravidão. Foi extremamente marginalizada pela alta sociedade que a mitificou em vagabundagem segundo seus interesses particulares. O principal pioneiro na luta pelo respeito à capoeira foi o Mestre Pastinha, na Bahia, que através dos seus estudos teve condições de romper com os tabus na sociedade ao esclarecer os fundamentos daquela cultura até então mal vista e estigmatizada.


APESAR DA OPRESSÃO, CAPOEIRA ANGOLA RESISTE
No governo de Getúlio Vargas é que ela ganhou visibilidade, porém foi progressivamente perdendo sua africanidade em benefício de fins comerciais a favor do sistema que tanto a reprimiu, tendo como exemplo emblemático o carnaval na Sapucaí.

Hoje, a capoeira está em diversas academias e os abadás se tornaram uma ferramenta para se alcançar o sucesso e ganhar dinheiro, articulada, em sua maioria, por brancos. Não que ela seja restrita aos negros, mas toda a sua tradição e finalidade conscientizadora de resistência racial e cultural está sendo jogada para segundo plano com a falta de espiritualidade. O que é chamado hoje de “capoeira contemporânea” tem até como requisito a formação em educação física. Jovens se tornam mestres cedo e aquilo que é um aprendizado adquirido através do tempo vai perdendo sua essência e sendo banalizado à mercê do mercado.

Pra não perder a capoeira e o sentido da vida
O Mestre Manoel representa um dos poucos que ainda fazem trabalhos nos guetos. Para ele é fundamental dar uma identidade às novas gerações que sistematicamente se deparam com uma sociedade na qual eles não têm vez, direito à dignidade, salvo raras exceções. Ele desenvolve um projeto chamado Arte e Educação no complexo da Maré, nas comunidades Nova Holanda e Timbau. Apesar dos territórios possuírem facções diferentes, ele afirma que tem todo o respeito e acesso, já que os traficantes de ambas têm a esperança de verem seus familiares seguirem outros caminhos que não os deles.

Para Manoel, esses jovens não têm noção de onde vêm essas drogas e se tornam massa de manobra barata numa guerra feita por um arranjo econômico no qual são inseridos. “Eles se matam sem ter consciência desta história”, diz o Mestre. Suas perspectivas são a morte ou a prisão antes dos 20 anos a serviço do sistema capitalista brasileiro, cujos mecanismos há pelo menos duas décadas reproduz o genocídio das camadas populares predominantemente negras. Para o mestre, “é preciso resgatar os valores, inserí-los numa história que vem lá atrás e está relacionada aos fatos de hoje e não é isso que o sistema capitalista brasileiro quer. Não querem que a gente abra os olhos do povo”.





Por isso ele afirma que seu trabalho é de militância, “um movimento político, pedagógico, com uma linguagem crítica” na qual ele busca dar identidade aos jovens apresentando-lhes caminhos distintos dos que são praticamente induzidos e/ou condicionados nessas regiões.

Os afro-descendentes até hoje são mortos e explorados, mas sob maneiras sofisticadas, sobretudo econômicas, numa sociedade cada vez mais corrupta e desigual.

O mito da democracia racial que camufla o preconceito permanece e os meios de comunicação o sustenta. O exemplo do Rio de Janeiro é emblemático, a polícia carioca é a que mais mata (sobretudo negros) e morre no mundo. A abolição no Brasil até hoje não passa de palavras mortas, pois a repressão e o preconceito aos negros perpetuam-se através dos costumes.

Capoeira foi considerada patrimônio cultural do Brasil
O professor de Cultura Afro-Brasileira da Facha, José Roberto Silva, ressalta a importância da África e da capoeira em nossa cultura.

“A capoeira fez surgir no continente americano a alegria e a gestualidade com o movimento do corpo dentro de uma cultura que se forma até hoje através do sincretismo de três etnias. É uma forma de expressão passional e alegre, arte e ritmo que contagia, e que atravessou todas as vicissitudes do Brasil”, comenta.

“A gente tem que parar de ser copiões, é a cultura popular que vai trazer novas condições para acrescentar substância à nossa identidade”, acrescenta.





Para o Mestre Manoel, vivemos num “país que foi saqueado, violentado, estuprado, e isso não está claro nos livros didáticos. Hoje somos o terceiro mundo sem que as pessoas contextualizem os fatos, nossa população é educada para ser racista e machista, ela reproduz e desenvolve isso e as nossas leis ainda são as formatadas pelos nossos opressores. Nossos valores nos são negados, o povo sem educação, sem cultura, continuará sendo escravo”.

Tudo isso ele busca passar para seus alunos, a jogarem não só na roda de capoeira, mas também na grande roda da vida para “mostrarem que são inteligentes, que sabem pensar, lidar com o tempo, e equilibrar os elementos positivos e negativos criando um jeito para sobreviverem”. Seu grupo já tem multiplicadores na Alemanha e na França, Brasil afora, e se concentra mais nas comunidades do Rio de Janeiro.





Neste ano a capoeira se tornou patrimônio cultural do Brasil, mas os mestres continuam sem reconhecimento, trabalham anos e não possuem nenhuma seguridade social.

Lá fora a capoeira é valorizada, antropólogos vêm aqui estudá-la, mestres e alunos brasileiros estão ganhando dinheiro em outros países, enquanto aqui o país insiste em não valorizar a si e seguir a procissão do mercado internacional.

É mês da consciência negra e da cultura, mês de reverenciar a nossa história, e de homenagear não só a capoeira Angola, mas todos aqueles que lutam pelo reconhecimento da riqueza singular da cultura brasileira.

Nenhum comentário: