Blog do Jornal Laboratório FACHA

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Uma publicação dos alunos do Curso de Comunicação Social da
Facha - Faculdades Integradas Hélio Alonso
Unidade Botafogo.

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25/04/2008

1968 - O ano que não terminou: "O grande legado de 68", por Cid Benjamin

O professor Cid Benjamin dispensa apresentações*. Imperdível o seu artigo (exclusivo para o blog do Jornal Laboratório) sobre 1968. Ele estava lá - e muito atuante.

O grande legado de 68
Cid Benjamin*

O mais importante legado que nos deixou o ano de 68 foi o desprendimento daquela geração. Sua generosidade foi marcante. Não aquela generosidade – também positiva - que tem como destinatário o desvalido que nos pede um pedaço de pão. Mas uma generosidade com todos os desvalidos, com os destinos da Humanidade.

Em 1968, as injustiças foram combatidas com enorme vigor no mundo inteiro.

Os Estados Unidos já se enredavam na Guerra do Vietnam, uma espécie de Iraque elevado à décima potência. Com sua postura de “polícia do mundo”, invadiram o Vietnam para tentar barrar “o avanço do comunismo”. Apesar dos mais de 500 mil soldados e das mais modernas armas de guerra até então vistas, não conseguiu vencer aquela guerra. Com um exército formado majoritariamente por reservistas - jovens que mal sabiam da existência do Vietnam e que não eram militares profissionais – logo a aventura perdeu apoio interno ao não se mostrar exatamente um passeio. As gigantescas mobilizações contra a guerra dentro dos Estados Unidos se encarregaram de minar a retaguarda do Império e forçá-lo a, poucos anos depois, proclamar a vitória e bater em retirada.

Mas se o Vietnam foi, na época, a vanguarda da luta anti-imperialista e pela justiça social, ela perpassou o mundo inteiro.

No México, os estudantes só foram contidos a rajadas de metralhadora, na época justificadas pelos poderosos como “necessárias” para garantir a realização da Olimpíada da Cidade do México naquele ano. Mas as metralhadoras não impediram que muitos atletas negros americanos recebessem suas medalhas com o punho esquerdo erguido – símbolo dos Panteras Negras, a mais radical organização de luta contra a discriminação racial nos Estados Unidos.

Na França, manifestações de rua que tiveram início com os estudantes, mas se estenderam por toda a sociedade, quase derrubam o governo conservador de De Gaulle.
O mesmo – em escala menor – ocorreu na Itália, na Alemanha e na Bélgica.
Na América do Sul, Argentina, Uruguai e Chile conheceram também expressivas manifestações estudantis, por bandeiras que iam muito além da universidade.
No Brasil, o ano de 68 foi o último que marcou a fase de consolidação da ditadura militar em que defensores do retorno a uma democracia, ainda que relativa, foram vencidos pela chamada “linha dura”, que pregava a radicalização do regime ditatorial. Essa disputa chegaria ao fim com o AI-5, em dezembro de 68, com a afirmação dos “duros”.

Antes do AI-5, já se vivia uma ditadura, mas o terror ainda não tinha mostrado toda a sua cara. Havia casos de torturas e, mesmo, de assassinato de presos políticos, mas esta ainda não era uma política de Estado. Tinha havido períodos de censura à imprensa, de fechamento do Congresso e de cassação de direitos políticos de opositores, mas, tempos depois, tudo voltava ao “normal”.

Com o AI-5, não só os poderes do general de plantão na chefia da ditadura tornavam-se absolutos, como isso passava a se dar por um tempo indeterminado.

Mas o avanço dos gorilas mais primários não se deu sem resistência.

Em 68, praticamente a totalidade da classe média já exigia o retorno à democracia – inclusive a parcela que em 64 apoiara o golpe militar. Afinal, para essa parcela, o aplauso ao golpe não significava o apoio a uma ditadura que dava demonstrações de querer estender sua existência e aprofundar seu caráter violento.

Além disso, a política econômica implantada pelos militares depois do golpe - que arrochou salários, conteve o crédito e dificultou a vida das pequenas empresas - contribuía para o empobrecimento das camadas médias.

Assim, a tendência mundial de rebeldia encontrou terreno fértil no Brasil. O resultado foi uma sucessão de gigantescas manifestações contra a ditadura – mesmo que tivessem que enfrentar a repressão do regime militar.

O advento da pílula anticoncepcional permitiu também uma importante mudança no terreno comportamental e significou um enorme passo para a afirmação das mulheres na sociedade. (Aliás, nada mais distante da realidade do que os diálogos da maioria dos filmes que pretendem retratar a esquerda daquela época, nos quais os militantes são uns chatos caretas, que só falam por meio de chavões.)

De certa forma, toda essa rica experiência contribuiu para moldar uma geração diferente. O fato de que, hoje, parte dela geração tenha se corrompido nos mensalões da vida e veja como natural a rapinagem aos cofres públicos só mostra a complexidade do ser humano – espécie capaz dos comportamentos mais nobres, mas também dos mais ignóbeis da face da Terra.

De qualquer forma, esses maus exemplos não podem servir para desvalorizar a experiência vivida por aquela geração e sua importância para a História.
Na época, participar da política era pensar no coletivo, era querer mudar o mundo. A política não era um atalho para a ascensão social ou financeira. Ao contrário, era uma opção que envolvia riscos de todos os tipos.

Por isso tudo, o espírito de 68 deve ser lembrado, homenageado e nunca esquecido.
Aos que tentam desvalorizar a generosidade da luta daquela geração e, lembrando que, depois, vieram o AI-5 e os anos de chumbo, afirmam que a luta foi inútil, eu pergunto: a luta de Zumbi dos Palmares, então, não terá valido a pena?

Ter feito parte dessa geração – e não ter abandonado seus ideais – é para mim motivo de um orgulho que pretendo carregar para o resto da vida.

*Jornalista e professor. Dirigente estudantil em 1968, ex-participante da resistência armada à ditadura militar, ex-preso político e ex-exilado.

* Nota do editor: há alguns meses, em um seminário sobre Comunicação, o escritor Ariano Suassuna "reclamou" ao ser apresentado como o "escritor que dispensa apresentações". Disse algo assim:

"Como ´dispensa apresentações´?!. Quero ser apresentado sim. E com muitos elogios!". A platéia veio abaixo.

Cid também merece muitos elogios.

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