

Situação dos moradores do Chapéu Mangueira não é aquela vista nos jornais
Eduardo Sá
Eduardo Sá
A comunidade do Chapéu Mangueira tem passado por algumas dificuldades nos últimos meses segundo o relato de muitos jornais cariocas, dentre os quais, senão todos, somente descreveram o olhar dos moradores do bairro que é um dos mais nobres da zona sul do Rio de Janeiro.
Mas antes de entrar nessa questão vamos à identidade da comunidade. O Chapéu Mangueira começou a ser povoado por volta de 1900 e em torno de 1940 uma missionária francesa conhecida por Dona René, junto a Dona Marcela, os dominicanos e alguns moradores começaram a estruturar o ambiente. Tudo era feito à base de mutirão, um trabalho em conjunto estimulado por poucos líderes. A água era retirada de bicas coletivas e carregada em latões, os caminhos aos poucos e no braço foram feitos, um posto de saúde e uma creche foram construídos com os recursos que tinham e os que dispunham de uma instituição filantrópica do Canadá, eram eles quem as administravam, entre muitos outros fatos de uma vasta história de batalhas. Procedimento, talvez, realizado em quase todas as comunidades da cidade, na luta dia-a-dia sem o auxílio do Estado.
Segundo Gibeon de Brito, ex-presidente da Associação de Moradores do Chapéu onde mora desde a década de 50, “os líderes pensaram a comunidade a partir da saúde e educação preventiva apesar da pouca escolaridade e saúde de alguns deles. Gente que sem abandonar suas tradições de origem conseguiu se adaptar às tradições locais e ainda contribuir na formação de novas. Povo que não se permitiu que os preconceitos eliminassem a alta-estima que se fez”. Ele constatou na sua pesquisa para monografia do curso de arquivologia que a maioria dos moradores são de origem mineira e nordestina e, conforme o depoimento de moradores antigos, muitos deles foram operários na construção do bairro; hoje aqueles que moram nesses apartamentos os discriminam e marginalizam em recompensa.
Em 1966 fundaram na comunidade a Associação de Moradores que já vinha fazendo suas reivindicações informalmente. Mais ou menos nessa época o Estado começou a intervir arrematando, maquiando, aquilo que foi estruturado com muito suor durante anos. Chegou a luz, água encanada, pavimentação e esgoto cujo índice de inadimplência era baixíssimo em relação às contas que até hoje são pagas pelos moradores. Se não pagam IPTU é por que muitos não têm condições diante de um salário mínimo a R$ 415,00 incapaz de suprir as necessidades básicas de uma família; só a cesta básica custa R$236,00 segundo o DIEESE.
Mas nesse mesmo período também surgiram os problemas conjunturais, apesar da boa fase em que se encontrava o projeto (até hoje inacabado) em busca das melhorias do local. Os problemas com a criminalidade foram surgindo depois da ditadura militar, por volta da década de 60/70, gerando com o passar do tempo conflitos internos na comunidade e desarticulando os mutirões antes organizados; desde então a coletividade foi abolida e o convívio fragmentado.
Chegamos naquilo antes comentado, as dificuldades enfrentadas pelos moradores ultimamente. Claro está que não vem de hoje o problema e mais claro ainda ficou a posição das autoridades em sua omissão histórica junto aos estigmas alimentados pela nossa imprensa; desde a época de Ibrahim Sued no Globo, disse um morador. Aliás, outro falou, “o jornal já é naturalmente contra a gente” referindo-se às notícias atuais.
Há algum tempo os tiroteios são sistematicamente reproduzidos levando a vida de policiais, traficantes e moradores, sem falar nas imposições por estes sofridas em conseqüência dos conflitos. Com a liberdade de ir e vir regrada e diversos fatores influindo em suas vidas, como a invasão de privacidade, ocorre um certo desconforto graças aos policiais e os traficantes ou vice-versa. Enquanto isso nossos jornais mostraram moradores do bairro com medo, blindando suas casas, gradeando seus prédios e instalando câmeras de segurança como se os problemas dessa forma fossem resolvidos. Ou seja, fingindo que não existem na espera de que todos sejam eliminados dentro dessa lógica de extermínio, dita de combate pelas autoridades, na qual só vemos perdedores. Não há propostas de inclusão e interação, somente afastamento, repulsa e contorno do problema.
Teve uma fase de tentativas de mobilização interna através de meios de comunicação com a rádio comunitária e um jornal impresso, mas não vingou.
Nesses meses no auge dos confrontos, representantes da comunidade foram chamados para um debate junto ao governo, a imprensa e moradores do bairro. Mas chegando ao local a situação não era a mesma proposta quando foram convocados. Muitos se sentiram ofendidos no momento por causa dos preconceitos e ainda foram retratados de forma distorcida em relação aos acontecimentos posteriormente. Fora isso, ainda há a dificuldade em dar voz às suas reivindicações, principalmente na presença da elite do Leme que sempre os interfere segundo seus interesses.
Depois dessa fase conturbada foi organizado um fórum entre os líderes da Babilônia e do Chapéu com os representantes da Amaleme (Associação de Moradores do Leme) e Sos Leme (uma ONG da região) desencadeando, até agora, na construção de um posto da Gepar (Grupamento Especializado de Área de Risco) no topo do morro. Os líderes do bairro estão impondo suas necessidades e vale ressaltar que os moradores da Babilônia só foram saber da obra após o seu início, pois a resolução foi dada de fora para dentro sem o consentimento dos moradores; ainda há o risco de alguns serem expropriados pela obra sem o direito de questionamento.
Os representantes das duas comunidades estão tentando, através desse fórum, se unir e agir sem a interferência dos moradores do bairro que vêem as questões de modo diferente e sempre tomando frente na hora das soluções. A idéia das comunidades é levar para a prefeitura um projeto para o PAC que contemple a segurança em meio a uma política de habitação.
Há uma escola desativada dentro do Chapéu onde são feitas aulas de reforço escolar por voluntários, senhores que não têm mais condições de saírem do morro e precisam de tratamentos médicos são auxiliados também por voluntários como é o caso de um jovem, enfermeiro e ex-militar, que está sempre envolvido nas questões sociais do local.
O primeiro presidente eleito pela Associação de Moradores do Chapéu Mangueira e um dos fundadores da Faferj (Federação de Favelas do Rio de Janeiro), Lucio Bispo, disse que com as áreas conquistadas apresentando uma estrutura constituída só lhes falta um projeto de urbanização com o auxílio financeiro dos moradores, de acordo com suas condições junto à prefeitura. E destacou que “nas favelas o grande problema é social e não repressivo”.
Pensamento complementar ao da anciã mais querida do Chapéu Mangueira, Dona Augusta, moradora há 53 anos e uma espécie de líder do local, que falou em seu galpão de artesanato onde é desenvolvido um trabalho social há décadas: “nós queremos a polícia aqui, mas com honestidade e com verdade de forma a nos respeitar”; provavelmente não é o que está acontecendo.
E é preciso destacar novamente que se trata de um dos bairros mais nobres da cidade e este não é um caso isolado, pois se compararmos às outras comunidades, infelizmente, até podemos dizer que a situação não é ruim. É um processo que se alastra Rio de Janeiro afora e com armas de fogo não está sendo resolvido.
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