Blog do Jornal Laboratório FACHA

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Breve em novo endereço e novo visual

Uma publicação dos alunos do Curso de Comunicação Social da
Facha - Faculdades Integradas Hélio Alonso
Unidade Botafogo.

jornallaboratoriofacha@gmail.com


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03/05/2008

1968: "Verdades cegas", por Ivo Lucchesi

Verdades cegas
Ivo Lucchesi
(Exclusivo para o blog do Jornal Laboratório da Facha)

Três dias antes da divulgação do AI-5, eu acabara de completar 19anos. Por conta de, em 1949, haver nascido na Itália do pós-guerra, e, de lá, partir, em 24/08/1956, para os trópicos brasílicos, chegando em 07/09, minha vida escolar sofreu alterações, a ponto de, aos 19 anos, ainda cursar o segundo ano Clássico.

Em 1968, era diretor cultural do “Grêmio Estudantil da Associação Cristã de Moços”, que, a exemplo de hoje, era um prédio de seis andares, na Rua da Lapa, 86. Embora a instituição fosse “cristã”, à época, já me definira “agnóstico”, condição que, com o passar do tempo, ficou, ainda mais, fortalecida e, aos 58 anos, inabalável.

Bem, naquela época, em plena sintonia com os propósitos da A.M.E.S., órgão responsável pelo agenciamento de “estudantes secundaristas”, sob a carismática liderança de Wladimir Palmeira, para fortalecer a resistência contra os avanços e abusos de um regime militar que não mais escondia seu nefasto projeto de, no Brasil, abortar, por tempo indeterminado, a democracia, não tive dúvida em aderir. Na minha história de involuntário herdeiro do regime fascista, na Itália, não me foi difícil decidir ao lado de quem ficaria. Prestei, pois, desde a primeira hora, apoio à A.M.E.S.

Sem remeter a detalhes que poderiam sugerir qualquer insinuação “heroicizante” de minha tímida biografia, o fato é que, ao constatar o desaparecimento de meu melhor amigo (Reinaldo), com apenas 18 anos (uma dor incurável) – e, para sempre, como “desaparecido”, permaneceu –, compreendi que tal fim não queria para a minha vida.

Nos primeiros dias de janeiro de 1969, portanto, decidi que não seria lógico alguém, em nome do que fosse, no limiar dos 20 anos, trocar a vida pela morte, independentemente da excelência da causa. Assumi o conflito entre ser um “anônimo herói morto” e um “desconhecido prudente vivo”. Não foi fácil. Todavia, o esforço em tentar equacionar esse impasse ético muito colaborou para o amadurecimento consistente.

A rigor, a vida me estava presenteando a segunda oportunidade para pesar, ponderar e, enfim, decidir: a primeira (sair da Itália para o Brasil) não dependera de minha vontade. A segunda (permanecer na luta, ou buscar uma “terceira margem”) cabia tão-somente à minha avaliação. Assim procedi e, do mesmo modo, conduzi (e venho conduzindo) minha vida.

O olhar 40 anos depois
Há algo do qual sempre me procurei manter preservado. Refiro-me a sentimentos de nostalgia, melancolia, frustração, depressão. De outro lado, há algo do qual sempre me tentei aproximar: o distanciamento crítico, o olhar desapaixonado, a autonomia crítica. Daí, posso extrair que não reside no passado a vivência gloriosa. Não se mostra, no presente, nenhuma dadivosa situação. Não há de se criar expectativa fulgurante para a vida futura. O que importa, para o enriquecimento na experiência de viver, é: a aprendizagem colhida no passado, o esforço em compreender avanços e limitações do presente e, por fim, lançar, para o futuro, um olhar de expectativa afirmativa, sob a vigilância angustiada da dúvida.

A juventude de “68” , como é próprio do jovem, apostou em nobres ideais e também em atos exagerados, desmedidos. O resultado deu em ganhos e perdas. O melhor mesmo é que cada jovem não se deixe arrastar por retóricas inflamadas, atrás das quais há sempre uma “consciência adulta” cujo objetivo é alcançar, com sua ambição, a afirmação pessoal. Quantos adolescentes e jovens a civilização já exterminou, em nome de promessas libertárias e transformadoras? Quantas guerras arrebanham milhares de jovens a perderem suas vidas, em favor de altas faturas arrecadadas pelos cofres dos “negociantes da guerra”? Quantas promessas de vida têm sido abortadas, em nome de “verdades cegas” ou “mentiras mirabolantes”? Avançar e ousar, sim, sem, porém, pôr a preservação da vida como moeda de troca. Se alguma contribuição, portanto, o presente depoimento tem a registrar, é o alerta contra as tentações “emocionalizadas” que podem ceifar, precocemente, projetos de vida.

(*)Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ) e articulista, entre outros, do Observatório da Imprensa (on line).

Um comentário:

Anônimo disse...

Ô tio Ivo! Lendo seu texto me lembrei da frase do personagem de Lavoura Arcaica, obra-prima de Raduan Nassar: "eu sinto, pai, que a minha loucura tem mais razão do que a sua sabedoria".